O segredo da água de Nova York
08/10/2010 — Elton MelloJá faz 19 anos que a população da cidade paga pelos serviços ambientais de agricultores que vivem a 200 quilômetros de Nova York. É uma experiência consolidada, que já inspirou projetos em vários pontos do mundo, inclusive o de Extrema, em Minas Gerais. Acesse o vídeo ou leia a matéria abaixo:
Nova York é dura na queda. Estremeceu com o ataque às torres gêmeas em 2001, se corrói com problemas crônicos de lixo, desemprego, violência e intermináveis engarrafamentos de trânsito, foi varrida pelo vendaval financeiro de 2008, mas a cidade mantém de pé o seu charme, a sua fama. É o lugar mais procurado pelos turistas. São 40 milhões de visitantes por ano.
Entre os inúmeros encantos que fazem a fama de Nova York pouca gente sabe de uma das coisas mais preciosas que a cidade tem. É a excelente qualidade da água. Graças a uma bem bolada parceria com fazendeiros e proprietários de terra, Nova York ainda não tem estação de tratamento, só de filtragem. As pessoas bebem água pura da montanha e direto da torneira.
Pra ver de onde vem, onde brota essa água lendária, nós deixamos a cidade de Nova York rumo ao interior do estado. Saímos do nível do mar e subimos cerca de 200 quilômetros , como se fôssemos para o Canadá. No meio do caminho, a 1,2 mil metros de altitude, ficam as montanhas de Catskill.
As montanhas de Catskill não estão entre as mais conhecidas dos Estados Unidos como as dos Apalaches, montanhas rochosas, mas ali fica uma cidade fundada há mais de 200 anos, uma cidade pequena e que ficou famosa no mundo inteiro em 1969 pelo que aconteceu ali.
Na música, no comportamento dos jovens representou uma revolução, o festival de Woodstock. Foi o auge do movimento hippie. Mais de 400 mil jovens se reuniram ali para
Quem se ofereceu para nos apresentar os fazendeiros parceiros da cidade de Nova York é o engenheiro florestal Tom O’Brien, diretor executivo da WAC.
“Prazer em conhecê-lo”, diz ele.
“O prazer é meu”, diz o repórter.
“Sejam bem-vindos”, diz ele.
“O prazer é meu”, diz o repórter.
“Sejam bem-vindos”, diz ele.
Ele é diretor executivo de uma coisa que não existe no Brasil. Não é uma ONG, organização não governamental, não é uma cooperativa, uma associação, é um conselho formado por proprietários rurais que já investiu mais de 100 milhões de dólares em benfeitorias nas fazendas de Catskill.
“São muitas as benfeitorias. São várias práticas de manejo. É um programa amplo que, ao mesmo tempo, preserva a água e melhora o desempenho da fazenda. Mas, venha comigo no meu carro pra você ver na prática o que estamos fazendo”, diz ele.
Nossa primeira visita é ao mister Steve Reed que tem 60 hectares , dois terços de mata. No pasto, agora, cria um gadinho de corte vende lenha, mas a renda com que conta mesmo vem de duas fontes: pela reserva florestal, todo ano recebe da prefeitura de Nova York, cerca R$ 10 mil.
“Ah! Sem esse dinheiro do programa, não sei o que faria para pagar meus impostos”, diz ele.
A outra fonte de renda vem do bosque para onde mister Steve Reed nos leva. É uma árvore nativa da região.
O nome da árvore é maple, mais conhecido entre nós como árvore do Canadá, com a folha de três pontas. Assim como da folha da seringueira se faz látex, desta árvore se faz o xarope mais consumido nos Estados Unidos. É uma árvore que dá açúcar.
O filho de Steve Reed, Scott, conta que fazem uns furos no tronco. Enfiam neles umas chupetas e, por gravidade ou bomba a vácuo, aspiram a seiva. Ela segue por uma fiação até as caldeiras. Fervida, como a garapa pra fazer melado de cana, a seiva se transforma no delicioso xarope de Maple, aquele melzinho que em filme a gente vê o americano pondo nas panquecas do café da manhã.
“Esta árvore é o esteio da renda de muitas famílias nesta parte dos Estados Unidos e do Canadá. O programa de conservação paga engenheiros florestais para orientar o produtor a tirar mais proveito do bosque. Antes da assistência técnica, porém, resolvemos os problemas de poluição de água que existem na propriedade.”, diz Tom O’Brien.
A fazenda do mister Steve Reeds fica na cabeceira de um rio chamada de Dellaware que mais abaixo dá nome a um estado americano. Fica a 200 quilômetros da cidade de Nova York. Lá milhares de pessoas bebem do ribeirão que passa em frente da casa dele.
Para garantir a qualidade da água, a prefeitura de Nova York pagou pra ele um novo sistema de captação de esgoto e que custou o equivalente a R$ 50 mil, investimento que ele não poderia bancar sozinho.
“Nem em sonho eu conseguiria fazer o que construíram aqui. Essa tampa que você vê aí é de uma caixa de concreto subterrânea. É um pequeno tanque de captação tanto da água de pia e chuveiro como das privadas. Daqui, o esgoto é canalizado. A tubulação passa sobre o córrego. Vai para esta outra caixa maior. E de determinado ponto ela é bombeada para o alto do terreno.”, conta Steve Reeds.
Não se vê nada, pois está tudo enterrado, mas de um determinado ponto, o esgoto é alçado cem metros acima e, só então, é feito a descarga. Nessa distância, a sujeira é filtrada pelo solo de modo que estará limpa quando cair no lençol e chegar ao córrego.
“A minha antiga fossa fica na beira do córrego. Infiltrava de um jeito que não podia imaginar.”, diz Steve Reeds.
“Quantas sistemas de esgoto como este foram construídos nas fazendas daqui?”, pergunta o repórter.
“Muitos. Mais de 300.”, conta Tom O’Brien.
Nas montanhas de Catskill, a extração de nativas é uma tradição de mais de 300 anos. Quase toda propriedade faz manejo florestal.
Tom O´Brien nos levou a uma das maiores, que pertence Associação Cristã de Moços e tem 2,5 mil hectares.
Os recantos mais bonitos são abertos para o eco-turismo. No resto, é exploração de madeira.
Os recantos mais bonitos são abertos para o eco-turismo. No resto, é exploração de madeira.
No momento em que chegamos, está saindo uma carreta de toras para o Canadá. Até a ponte é emprestada pelo programa que a cidade de Nova York banca.
“A gente chama de ponte temporária. Temos de vários modelos e tamanhos. O contato das rodas e os resíduos de combustível contaminam a água. Nova York não quer isso. Então, fazemos o rodízio das pontes”, diz O’Brien.
Está impressionado com o apoio que as propriedades recebem? Tem mais. Para reduzir a poluição, as fazendas de leite ganharam até tanque para estocar estrume. Será que isso funciona só porque Nova York é uma cidade rica?
O custo da água de Nova York
A prefeitura de Nova York faz investimentos em propriedades agrícolas a 200 quilômetros de distância, para garantir a qualidade da água consumida na cidade. Para o cidadão novaiorquino, é vantajoso pagar os fazendeiros pelos serviços ambientais que eles prestam.Acesse o vídeo ou leia a matéria abaixo:
A fazenda que visitamos com Tom é a de Paul Deysenroth, um pioneiro do programa de conservação, como orgulhosamente anuncia a placa pendurada no estábulo. A fazenda tem 120 hectares, metade de mata nativa onde ele faz manejo florestal, o resto é pastoreio.
A parte de trás barracão, até 1995 era um brejão. Hoje, está arrumadinho. Tem drenos no meio do charco, corredor elevado pros animais e uma senhora ponte, conjugada com uma passagem de gado sobre pedras.
“Minha família sempre sonhou com uma ponte aqui. Imagine: antes, as vacas vinham chafurdando no barro até a beira do córrego. A travessia para o outro lado era dentro d´água. Uma sujeirada. Na época, a ponte custou R$ 30 mil”, comenta Paul.
Da propriedade de Paul e dos outros produtores de Catskill brotam milhares de nascentes como esta. Tom O’Brien, o diretor do programa de conservação, nos indica o caminho dessas águas.
Por riachos, córregos e ribeirões, os mananciais escoam das montanhas para enormes reservatórios de captação. Daí, vão descendo, fazendo estágios em outras barragens, até chegar à cidade de Nova York.
É lá que nós encontramos o pai da idéia dessa parceria entre Nova York e os fazendeiros de Catskill, Albert Appleton, que, na maior confiança, mata a sede no bebedouro público.
É lá que nós encontramos o pai da idéia dessa parceria entre Nova York e os fazendeiros de Catskill, Albert Appleton, que, na maior confiança, mata a sede no bebedouro público.
All Appleton, 18 anos atrás, era o superintendente do Departamento de Águas de Nova York. A cidade estava pra investir bilhões de dólares em estações de tratamento, pois a poluição ameaçava chegar aos mananciais de Catskill. Ele propôs que em vez de gastar pra tratar a água poluída, por que não pagar pra que ela permaneça limpa?
“Percebemos que colocar na cara dos fazendeiros suas obrigações não adiantava. O interesse era mútuo. Propusemos uma troca: Nova York precisa da água pura; vocês precisam manter suas fazendas. Isso é da economia clássica: faça alguma coisa por mim que eu lhe pago por isso. Entramos com a recompensa, com o dinheiro. Em vez de tratar o proprietário rural como predador da Natureza, demos condições para que ele seja um guardião da Natureza.”, diz Appleton.
Não pense você que os fazendeiros de Catskill aceitaram de pronto as mudanças. Foram quase dois anos de negociação, como lembra um dos líderes dos proprietários, Fred Huneke, atual presidente do Conselho de Agricultures.
“Aceitamos o desafio, mas com três condições. Nova York paga tudo, nós administramos os recursos e contratamos os técnicos e a adesão é voluntária, o fazendeiro participa se quiser”, diz Fred Huneke.
“Aceitamos o desafio, mas com três condições. Nova York paga tudo, nós administramos os recursos e contratamos os técnicos e a adesão é voluntária, o fazendeiro participa se quiser”, diz Fred Huneke.
O programa voluntário, em 15 anos, conseguiu a adesão de 95% dos proprietários rurais cobrindo uma área de 500 mil hectares em Catskill.
A poluição das fazendas de leite, que era um dos principais problemas, está praticamente controlada. Os graciosos galpões de ordenha, típicos da região nordeste dos Estados Unidos, ganharam um concorrente arquitetônico: são tanques enormes. São depósitos para armazenar temporariamente fezes e urina do gado.
Antes, os dejetos eram pulverizados no campo todo dia, com chuva, neve. Agora, o produtor guarda para fazer apenas duas aplicações no ano.
”Graças ao tanque, agora só preciso comprar metade do adubo que comprava.”, diz Cecil Davis, que tem um rebanho de cem cabeças. Ele diz que antes, por aplicar em época inadequada, boa parte do estrume escorria para o córrego, ou ficava empossado. Agora, faz pulverização orientada, sem desperdício. E, ainda sobra esterco pra vender aos vizinhos. “Nossa atividade ficou mais limpa. Agora, posso até beber água no ribeirão.”, fala Cecil.
Um tanque custa caro, em torno de R$ 400 mil, informa o diretor Tom O´Brien, mas o retorno vale a pena.
“Com o estrume estocado controlamos a aplicação para que não haja excesso de fósforo e nitrogênio. Assim reduzimos a poluição das águas e também do solo”, diz ele.
“Com o estrume estocado controlamos a aplicação para que não haja excesso de fósforo e nitrogênio. Assim reduzimos a poluição das águas e também do solo”, diz ele.
Uma outra maneira de preservar a qualidade da água sem prejudicar as atividades agropecuárias é o contrato de compra do direito de desenvolvimento. O fazendeiro continua sendo dono, pode vender, pode ampliar seu negócio, mas a propriedade vai ser fazenda pra sempre.
Thomas Hudson, cuja família está aqui há sete gerações foi um dos primeiros a aceitar essa modalidade, no ano 2000. Ele conta que vieram três corretores juramentados e fizeram a avaliação da propriedade. A prefeitura de Nova York pagou metade do valor, o equivalente hoje a R$ 800 mil.
“Esse dinheiro caiu do céu. Pude resgatar minhas hipotecas, acertei as dívidas, estou com os impostos em dia. E fazenda da minha família tem a garantia eterna das atividades agropastoris e florestais”, diz ele.
Ficou registrado em cartório que a fazenda do Hudson nunca vai poder ser asfaltada, urbanizada, virar hotel, nem ser loteada em chácaras, enfim nada que possa comprometer a qualidade da água.
“Mas, isso não limita o progresso da região?”, pergunta o repórter.
“É realmente uma polêmica. Mas, os fazendeiros acham que eles são o desenvolvimento econômico. Um dólar que você investe na agricultura se multiplica por sete e acreditamos que seja possível o desenvolvimento sem degradação ambiental.”, diz O’Brien.
Vendo a quantidade e variedade das mudanças, a gente supõe que montanha de dinheiro a cidade de Nova York já pôs em Catskill e o tamanho da conta de água que o consumidor deve pagar.
Foi uma surpresa ouvir a secretária de meio ambiente e superintendente do Departamento de Águas de Nova York, doutora Emily Lloyd.
“Nosso consumidor não paga a mais. Ele paga a menos. Nosso custo é só com a filtragem e a desinfecção da água. Nova York investiu até agora US$ 1,5 bilhão nas montanhas de Catskill, mas, em compensação, economizamos US$ 10 bilhões, que teríamos gasto se tivéssemos construído as estações de tratamento que estavam previstas”, diz ela.
“Tom, se você fosse tocar um programa desses no Brasil, o que faria primeiro?”, pergunta o repórter.
“Primeiro, aprender português.”, diz ele.
“Não é tão difícil”, diz o repórter.
“Olha, basicamente, trabalharia o conceito fundamental. As pessoas que consomem água têm que compreender que essa água vem de algum lugar, de uma parte da natureza que não lhes pertence. Cuidar das nascentes, dos mananciais, tem um custo. Nada mais justo do que pagar por esse serviço ambiental que nos garante a água pura.”, diz O’Brien.
Pra cada dólar investido na preservação do ambiente, Nova York economizou sete no tratamento convencional da água.
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